Fotografía de Herr_Mueller - The Good Life #1

«L'usignolo» (Anónimo boloñés. Siglo XIII)

 

EL RUISEÑOR

Fuera de la bella jaula   
huye el ruiseñor.
Llora el niño 
porque no encuentra 
a su pajarito  
en la bella jaula,
y dice con pena:
¿quién abrió al ruiseñor?
En un bosquecillo  
se puso a caminar,
oyó del pajarito
su dulce cantar.
Oh bello ruiseñor,
vuelve a mi jardín.


Poema anónimo del siglo XIII. Pero mejor en su lengua original:

 

L'USIGNOLO

For della bella caiba
fugge l'usignolo.
Piange lo fantino
pero che non trova
lo so osilino
nella bella gaiba,
e dice cum dolo:
chi gli avrí l'usignolo?
In un boschetto
si misse ad andare,
sentí l'oseletto
sí dolze cantare.
O bello l'usignolo,
torna nel mio brolo.



Anonimo bolognese. Secolo XIII



Claudio Rodríguez - Gorrión

 

GORRIÓN

No olvida. No se aleja
este granuja astuto
de nuestra vida. Siempre
de prestado, sin rumbo,
como cualquiera, aquí anda,
se lava aquí, tozudo,
entre nuestros zapatos.
¿Qué busca en nuestro oscuro
vivir? ¿Qué amor encuentra
en nuestro pan tan duro?
Ya dio al aire a los muertos
este gorrión que pudo
volar pero aquí sigue,
aquí abajo, seguro,
metiendo en su pechuga
todo el polvo del mundo.

Claudio Rodríguez


Alianza y condena (1965)



Fedor Sologub - «No ser alguien, ser nada...»

 

No ser alguien, ser nada,
Ir hacia el gentío, soñar, mirar,
Con nadie compartir los sueños
Y nada pretender.

                    24 de noviembre de 1894

Fedor Sologub

(San Petersburgo, 1863 - 1927)



Traducción de Jorge Bustamante García en El instante maravilloso - Poesía rusa del siglo XX. Universidad Nacional Autónoma de México, 2014, primera reimpresión de la primera edición, 2004.



Ernst Ludwig Kirchner - Amantes en la biblioteca (1930)

 



Ernst Ludwig Kirchner (1880 - 1938)  - Liebhaber in der Bibliothek, 1930



Tsuguhara Foujita - En el Café (1949)

 



Tsuguhara Foujita (Tokio, 1886 - Zürich, 1968) - Au café, 1949


Joaquim Manuel Magalhães - Columbário


COLUMBÁRIO

Cada ano que passa traz-me a lenha.
São já muitos quando a camioneta chega
com as três ou quatro toneladas de mistura.
Assim chama às várias espécies derribadas
que chegam para cada Inverno que lhe pago.
Agora já digo ao Sr. Antunes: mais um ano.
E ele ignora-me. Que se gasta a lenha
mas é um conforto. Que é um pecado lamentar.
Com o seu santo na medalha pendurado
nem lhe digo que também por cada ano,
mais que a lenha, ardemos e ardemos.

Jardins abertos. Em várias ruas
ao longo do anoitecer
distinguia-se quem lançava rápidos sinais
e para um outro lado nos dispunha.
Ainda nem eram precisos bares.
Um autocarro, o metro, qualquer mesa
de um café
ensinava-nos o caminho de elevadores,
as janelas de onde se via,
depois,
a cidade adormecida.

Um holofote amarelo contra o quarto que me alberga,
toda a noite uma sobreluz de hotel que demolia
as tentativas de sono detrás do tempo sem blackout.
Só na segunda noite me lembrei de pendurar
edredões das sanefas e o escuro me recuperou.
Ouvia no rádio postos que não sei que transmitiam,
de vez em quando devia cair no torpor dos barbitúricos
que nenhum efeito tinham já. O ar
abafado e seco pelas tubagens que não desligavam,
as pernas entumesciam com as alergias cutâneas
debaixo de tecidos talhados com acrílicos.

Atira os troncos cortados contra a parede
da arrecadação, os pequenos toros caem
com um baque, tropeçam uns nos outros,
julgamos que repousam.
Mas depois vamos buscá-los para a segunda morte,
além da árvore donde os abateram
e nunca mais um pássaro lhes cantará.
Também vai às outras árvores que me serra,
algumas quase rente ao chão. Fazem
sombra de mais, começam a ficar
secas e com musgo. Parece que tudo
fica límpido quando tombam e as leva
para um sumidouro que não sei.

Nesse tempo o receio era tão pouco.
Bastava estar atento ao mover dos olhos,
à qualidade do sorriso, e todos éramos
a grata euforia da entrega,
a ejaculação que parecia nunca mais findar.
Sempre outro corpo mais
connosco seguiria. Jardins abertos.
Chuveiros com o mais forte abraço,
um odor diferente em cada alegria.
Talvez nos julgassem clandestinos
mas não findavam
as viagens súbitas para um novo leito.

A noite despeja-me na noite, semi acordado,
semi adormecido, num entre estado sem nome,
como devem estar
os cães encostados aos sem abrigo nos recantos
com os faróis contínuos do trânsito nocturno.
Levanto-me no rumor de todos os ares condicionados
atirados do hotel para o seu saguão, e lembro
a moto-serra do Sr. Antunes a desbravar o jardim fechado,
a deitar por terra o vento que batia nos ramos,
ficava tudo coalhado de um serrim pacífico
e os arbustos atrofiados pela capa sombria
logo se sentiam reerguer, alargar,
ao contrário desta noite que pesa cada vez mais.
Horas abauladas, procuro fugir-lhes no terror
das imagens nocturnas que numa outra luz
podem subor ao cérebro para despedaçá-lo.

Mais tarde haverá novos rebentos, demoram algum tempo,
vou-os arrancando a um por um
nos sítios onde não quero que mais nada cresça.
Outros sobem de novo cada vez mais alto, marcam
com os seus dias os meus dias
num sem retorno que também sou eu.

Depois nem já clandestinos.
A música dos novos bares
atenuava um pouco
a pretérita euforia das ruas.
Pareciam barcas donde se ouvia
clamores,
a corrente fulgurava entre a sombra
de cada corpo
e da margem acenavam-nos
com caminhos felizes
que podiam ser logo abandonados.
Ninguém já perseguia?
Um clarão fulminante
cruzava o céu de cada peito.

O terreiro agora ficou sem os ramos
piores, os de folhagem que enlameia a relva,
partiu a camioneta tão enchida
desses sítios que já tiveram ninhos
que só com muitas aselhas nos cordames
se consegue rebaixar, pequenos braços
vigorosos, resistem, não querem
enterrar-se uns pelos outros, procuram
permanecer, divago eu, como nós
ao deus inútil tanta vez pedimos.
Mas depois da nuvem de gasóleo da partida
logo me recolho e penso que na felicidade
é que julgamos inútil o que nos ajuda.

Mesmo assim os sonhos do passado morto
(morto, alguma vez morre tudo aquilo?)
um por um vêm e calcam com a sua verdade inteira,
pesistem nos pequenos rolos de cérebro derramado,
seguem a sua astuta reconstituição, da infância
para cima, de mais tarde para baixo,
até conspurcarem todo o terreno parado do presente,
sem ameaça, só com a certeza do que não volta atrás,
do que ficou definitivamente assim.
A lenha precisa ainda de secar, repetia o Sr. Antunes,
durante um ano, são árvores de seiva matreira, todas
feitas para a falsidade, abrem um oco dentro da copa,
só na extremidade fazem bolas de verdura opaca,
fingem ser paisagem, amarelecem verdes ainda,
morrem sem dor, com uma longuíssima resignação,
tão longa que parece apenas um esquecimento.

Jardins abertos. Ninguém
os atravessa agora. Bares para o aturdimento
de músicas. Tudo passou a história.
Hoje há o cuidado. E se o amor
ultrapassa o prazer, restam
os testes e as suas repetições.
Só quis lembrar esta barra de fogo
apagada.
A vã duração do tempo.

Escrevo estes versos de memórias
alheado já.
Cada palavra mistura-se com todas.
Mas lembra-te que pensei sempre,
leitor, jardim aberto,
de algum modo em ti.
Deixa estar por uns segundos contigo
estas histórias. Dá-lhes
algum cuidado. Havia o Sr. Antunes. Pode ser
que voltes um dia a ter um tempo
para de novo te sentares com elas.
Dei-lhes o meu pensamento ameaçado
por um holofote tenaz.
Se encontrares nisso algo que te sirva
recorda-o no teu espírito
mesmo que nada se possa repetir.

Eu digo para mim que é esta
a utilidade da poesia,
a lembrança.
E que podes ainda, se parecem vãos
todos os meus efeitos,
largá-la de ti e haver proveito
em não seguires comigo todos os caminhos
onde ressoam passos do meu precipício.


Joaquim Manuel Magalhães


Alta Noite em Alta Fraga (2001)




Una fotografía de George Kuttner

 


George Kuttner - Take that pearl, 2024



Marguerite Kelsey - Meredith Frampton, 1928

 




Marguerite Kelsey (1909 - 1995) - Meredith Frampton, 1928




Jaime de Armiñán - La dulce España

 

En la Plaza Mayor está la confitería más elegante del pueblo, donde también se fríen churros y buñuelos con aceite de oliva. Esa saludable hacer churros y buñuelos, aunque no les caigan bien a todo el mundo. El escaparate de la confitería brilla al sol y relucen los piononos, las yemas de Santa Teresa y San Leandro, los bizcochos borrachos de Guadalajara, las almendras de Alcalá, los mazapanes de Toledo, los roscos burgaleses, la crema catalana, los sobadillos y las perrunillas, las rosquillas tontas y las listas, las mantecadas asturianas, el bizcocho de Carballino, las ánimas del purgatorio, el flan de San Franco, las cocas, las ensaimadas, los polvorones y Roscón de Reyes. Todo es dulce y sería de desear que nunca amargara el dulce y que sólo agriara el limón. En medio de tantas glorias luce una botella de anís Machaquito, el más fuerte de todos. La figura de un niño se refleja en el escaparate. El niño mira, goloso, todas aquellas delicias. De pronto una piedra hace añicos el escaparate de La Dulce España y la imagen del niño se parte en pedazos

Jaime de Armiñan


La dulce España [Memorias de un niño partido en dos], Tiempo de memoria, Tusquets, 2000, XIII Premio Comillas





Dos versos de Yannis Ritsos

 

Una vez, por coincidencia, encuentran las palabras
Su otro significado.

Yannis Ritsos


Κάποτε, από μια σύμπτωση, βρίσκουν οι λέξεις
Το άλλο νόημά τους .

Γιάννης Ρίτσος






William Shakespeare - Soneto II

 

SONETO II

Cuando cuarenta inviernos asedien tu frente
y el campo de hermosura de trincheras hiendan,
tu gala juvenil, hoy pasmo de la gente,
serán harapos que por nada se revendan.

Al preguntarse entonces tu hermosura dónde,
dónde todo el tesoro de tu lozanía,
decir que allí en tus ojos hundidos se esconde
fuera sonrojo ardiente y gloria bien baldía.

¿Cuánto más tu hermosura mereciera gloria
si respondieras "esta hermosa criatura
cancelará mi cuenta, excusará mi historia",
probando en ley de herencia tuya su hermosura!

Hacerte nuevo cuando viejo estés sería
y ver tu sangre hervir cuando la sientas fría.

William Shakespeare



The Sonnets / Sonetos de amor. Texto crítico y traducción de Agustín García Calvo. Editorial Anagrama, 2ª ed. 1983 [1ª en 1974]



SONNET II

When forty winters shall beseige thy brow,
And dig deep trenches in thy beauty's field,
Thy youth's proud livery, so gazed on now,
Will be a tatter'd weed, of small worth held:

Then being ask'd where all thy beauty lies,
Where all the treasure of thy lusty days;
To say, within thine own deep-sunken eyes,
Were an all-eating shame and thriftless praise.

How much more praise deserved thy beauty's use,
If thou couldst answer 'This fair child of mine
Shall sum my count and make my old excusex,
Proving his beauty by succession thine!

Thvis were to be new made when thou art old,
And see thy blood warm when thou feel'st it cold.




César Vallejo - ¡Dulzura por dulzura corazona!

 

¡DULZURA POR DULZURA CORAZONA!…

¡Dulzura por dulzura corazona!
¡Dulzura a gajos, eras de vista,
esos abiertos días, cuando monté por árboles caídos!
Así por tu paloma palomita,
por tu oración pasiva,
andando entre tu sombra y el gran tesón corpóreo de tu sombra.

Debajo de ti y yo,
tú y yo, sinceramente,
tu candado ahogándose de llaves,
yo ascendiendo y sudando
y haciendo lo infinito entre tus muslos.
(El hotelero es una bestia,
sus dientes, admirables; yo controlo
el orden pálido de mi alma:
señor, allá distante… paso paso… adiós, señor…)

Mucho pienso en todo esto conmovido, perduroso
y pongo tu paloma a la altura de tu vuelo
y, cojeando de dicha, a veces,
repósome a la sombra de ese árbol arrastrado.

Costilla de mi cosa,
dulzura que tú tapas sonriendo con tu mano;
tu traje negro que se habrá acabado,
amada, amada en masa,
¡qué unido a tu rodilla enferma!

Simple ahora te veo, te comprendo avergonzado
en Letonia, Alemania, Rusia, Bélgica, tu ausente,
tu portátil ausente,
hombre convulso de la mujer temblando entre sus vínculos.
¡Amada en la figura de tu cola irreparable,
amada que yo amara con fósforos floridos,
quand on a la vie et la jeunesse,
c’est déjà tellement!

Cuando ya no haya espacio
entre tu grandeza y mi postrer proyecto,
amada,
volveré a tu media, has de besarme,
bajando por tu media repetida,
tu portátil ausente, dile así…

César Vallejo



Poemas humanos (1939)



Una redondilla de Góngora a partir de un dístico en latín

 

Dístico ajeno

Latraui ad fures: tacui cum venir amator;
Sic placui domino, sic placui dominae.




A los ladrones ladré;
al amante enmudecí;
a mi amo agradé así,
así a mi ama agradé.

(1621)

Luis de Góngora


(Fuente



Una fotografía de František Drtikol

 



Frantisek Drtikol (Příbram, 1883 - Praga, 1961)




María Lainá - Paisajes

 

Paisajes

Hay hombres que sólo esperan
no son poetas
no fueron nunca revolucionarios
ninguna luz atraen hacia sí
y de vez en cuando un retazo de nube
pasa por encima de su corazón
y lo oculta.

María Lainá


De su libro Cambio de paisaje (Αλλαγή τοπίου, 1972), en Los estuches de las celulas. Poemas 1972-2003. Traducción de María López Villalba, Obdulia Castillo y Aurora Luque. Edición bilingüe. Centro de Ediciones de la Diputación de Málaga, 2004 



Υπάρχουν άνθρωποι που μόνο περιμένουν
Δεν είναι ποιητές
Δεν έγιναν ποτέ επαναστάτες
Κανένα φως δεν παρασύρουν προς το μέρος τουςa
Και πού και πού ένα κομμάτι σύννεφο
Περνάει πάνω απ' την καρδιά τους
Και την κρύβει

Μαρία Λαϊνά


(María Lainá — Patras, 1947 —  falleció el 27 de diciembre de 2023 en Atenas)


Un cita de María Lainá

 

La poesía existe para sacudirte y casi para evitarlo. También produce placer, pero es un placer que puede parecer desagradable.

María Lainá


Η ποίηση υπάρχει για να σε ταρακουνά και σχεδόν για να την αποφεύγεις. Προξενεί και ευχαρίστηση, αλλά είναι μια ευχαρίστηση που ενδεχομένως να φαίνεται δυσάρεστη.


Μαρία Λαϊνά: «Τι όμορφη που είναι η ζωή – και να μην μπορείς να τη χαρείς!»
[‘¡Qué hermosa es la vida  –  y no poder disfrutarla!’]

(Fuente: Lifo)





Una fotografía de José Antonio Puértolas

 



José Antonio Puértolas - Tempus fugit, 2011



José Eduardo Agualusa - «Nação Crioula»

 

A vida de um escravo é uma casa com muitas janelas e nenhuma porta. A vida de um homem livre é uma casa com muitas portas e nenhuma janela.

*****


A eternidade deve ser, de alguma forma, uma espécie de fotografia (um lugar sem tempo) dos momentos bons e maus que nós vivemos. E assim pela eternidad os estaremos vivendo sempre, e o inferno será isso e o paraíso também.

*****


Fradique, aborrecido, perguntou-me o que é que eu sentia tendo sido escrava. O que é que eu lhe podia dizer? Se fosse hoje, ter-lhe-ia respondido com um provérbio crioulo da Serra Leoa, país que visitei recentemente: stone we dei botam wata, no say wen rain de cam, uma pedra debaixo da água não sabe que está a chover.



Nação Crioula
, de José Eduardo Agualusa, Ed. Quetzal, 2017





Yorgos Sarandís - A veces llega un tiempo

 

A VECES LLEGA UN TIEMPO

la poesía es el instante,
la agonía es el todo.
la agonía de vivir,
después llega un tiempo en que no existes,

en los días que vienen, nadie,
en los barcos que zarpan, nadie,
en todos los rostros, nadie,
en las calles de las aglomeraciones, nadie,
en el límite de la oración, nadie,
en las colinas del silencio, nadie,
en el bosque de la ira, nadie,
en el recuerdo de la lluvia, nadie,
en los sueños de los ciegos, nadie,
en la meditación, nadie,
en todo el olvido, nadie,
en toda la música, nadie,
en tu amor, nadie,
en toda la negación, nadie,
en la revolución, nadie,
nadie,
a veces llega un tiempo vacío
en que no existes.

Yorgos Sarandís



Antología de la poesía griega (Desde el siglo XI hasta nuestros días), ed. de José Antonio Moreno Jurado. Ediciones Clásicas, Madrid, 1997,



ΚΑΠΟΤΕ ΦΤΑΝΕΙ ΕΝΑΣ ΚΑΙΡΟΣ

η ποίηση είναι η στιγμή
η αγωνία είναι το παν
η αγωνία να ζεις
ύστερα φτάνει ένας καιρός που δεν υπάρχεις

στις μέρες που έρχονται κανείς
στα πλοία που φεύγουνε κανείς
σ’ όλα τα πρόσωπα κανείς
στους δρόμους των συνωστισμών κανείς
στο όρος της προσευχής κανείς
στους λόφους της σιγής κανείς
στο δάσος της οργής κανείς
στη μνήμη της βροχής κανείς
στα όνειρα των τυφλών κανείς
σ’ όλη τη λησμονιά κανείς
σ’ όλη τη μουσική κανείς
μες στην αγάπη σου κανείς
σ’ όλη την άρνηση κανείς
στην επανάσταση κανείς
κανείς
κάποτε φτάνει ένας καιρός άδειος
που δεν υπάρχεις.

Γιώργος Σαραντής




Capucine

 


Germaine Lefebvre, conocida artísticamente como Capucine (1928 - 1990)


Fotografía de Peter Basch, 1960s



(skorver1/sophia)


Agustín García Calvo - «La gracia nevando»

 

61

Don din, din dan.
¡Ya!
La gracia nevando,
y el puerco sangrando,
la perla temblando,
la llama llamando,
y el chantre cantando,
y el ama amasando:
nevando
la gracia en la ciudad
sin fe.
¿Dónde, dónde, dónde fue?
Pues aquí,
pues allá.
No sé.
Pero ¿qué más da?:
La luna rocío
el sol su sed;
el rico oro,
el pobre palidez.
Eh, eh
ah, ah.
Uno solo tiene
aquello que da.
Don din, din dan.
¡Ya!
Nacida la vida,
la peña florida,
la loba dormida,
la casa caída,
la leche vertida,
la cierva parida:
la vida
nacida de la mar
sin fe.
¿Cómo, cómo, cómo fue?
Pues así;
pues asá.
No sé.
Pero ¿qué más da?:
tristeza el espejo,
los ojos miel;
amor el hombre,
justicia la mujer.
Eh, eh
ah, ah.
Lo que olvide uno
todo eso sabrá.
Don din, din dan.
¡Ya!
La grana granada,
y el alba alborada,
la mora morada,
la pólvora helada,
la carne encarnada,
la sombra asombrada,
granada
la grana de la paz
sin fe.
¿Cómo, cómo, cómo fue?
Pues ayer;
pues será...
No sé.
Pero ¿qué más da?:
La cal delirio,
el vino pez;
el reo cáñamo
y terciopelo el juez.
Eh, eh.
Ah, ah.
Cuando muera el alma
alguien nacerá.
Don din, din dan.
¡Ya!
La muerte muriendo
y el río riendo
y el papa paciendo
y el nardo nardiendo
y el rojo rugiendo
y el lirio liriendo
y el credo creyendo
y Adán sin atuendo
de estrella en estruendo
reverdinaciendo
muriendo
muriendo la fidelidad
sin fe.
¿Cuándo? ¿Cómo? ¿Dónde? ¿Qué?
Te diré:
pues verás:
no sé.
Pero ¿qué más da
eh?
Ah,
todo lo que esperes,
jamás lo verás.
Don din, din dan.
din don dan.

Agustin Garcia Calvo 


Canciones y soliloquios, Editorial Lucina, Segunda edición, noviembre de 1982 (Primera edición en La Gaya Ciencia, 1976)


Chicho Sanchez Ferlosio musicó y cantó este poema, que lleva como título La gracia nevando.



Heráclito

 

El hombre, en la noche, prende una luz para sí cuando su visión se extingue. Mientras vive, se aproxima a los muertos en el sueño; en la vigilia limita con los durmientes. 

Heráclito 



Leído en El camino del alba, de Alfonso Alegre Heitzmann. Tusquets, 2017 


* * * * * * * * * *

En otra versión:

Un hombre prende una luz en la noche cuando su vista se apaga; vivo, palpa la muerte mientras duerme; despierto, entra en contacto con el durmiente. 

Heráclito: fragmentos e interpretaciones. José Luis Gallero y Carlos Eugenio López, (Eds.). Árdora Ediciones, 2009


George Grosz - Transeúntes (1921)

 


George Grosz (1893 - 1959) - Passanten, 1921




Chicho Sánchez Ferlosio - Gallo rojo, gallo negro

 



GALLO ROJO, GALLO NEGRO

Cuando canta el gallo negro
es que ya se acaba el día.
Si cantara el gallo rojo
otro gallo cantaría.

Ay, si es que yo miento,
que el cantar que yo canto
lo borre el viento.
Ay, qué desencanto
si me borrara el viento
lo que yo canto.


Se encontraron en la arena
los dos gallos frente a frente.
El gallo negro era grande
pero el rojo era valiente.

Ay, si es que yo miento,
que el cantar que yo canto
lo borre el viento.
Ay, qué desencanto
si me borrara el viento
lo que yo canto.


Se miraron cara a cara
y atacó el negro primero.
El gallo rojo es valiente
pero el negro es traicionero.

Ay, si es que yo miento,
que el cantar que yo canto
lo borre el viento.
Ay, qué desencanto
si me borrara el viento
lo que yo canto.


Gallo negro, gallo negro,
gallo negro, te lo advierto:
no se rinde un gallo rojo
mas que cuando está ya muerto.

Ay, si es que yo miento,
que el cantar que yo canto
lo borre el viento.
Ay, qué desencanto
si me borrara el viento
lo que yo canto
.

Chicho Sánchez Ferlosio  


Del blog de Antonio Gómez: «Matizaciones, innecesarias tal vez, sobre “Gallo rojo, gallo negro”»



Dos de Ava


 
Ava Gardner à 19 ans en 1942




Ava Gardner, c. 1960




Ava Lavinia Gardner (24 de diciembre de 1922 - 25 de enero de 1990)




Dos fotografías de Bruno Barbey

 

Región del Lazio, Roma, 1966





Paul Citroen - Retrato de mujer (1935)

 




Paul Citroen - Portrait de femme, 1935


Roelof Paul Citroen (1896 - 1983) fue un artista holandés nacido en Alemania, profesor de arte y cofundador de la Nueva Academia de Arte de Ámsterdam.



Eliseo Diego - Comienza un lunes

 

COMIENZA UN LUNES

La eternidad por fin comienza un lunes
y el día siguiente apenas tiene nombre
y el otro es el oscuro, al abolido.

Y en él se apagan todos los murmullos
y aquel rostro que amábamos se esfuma
y en vano es ya la espera, nadie viene.

La eternidad ignora las costumbres,
le da lo mismo rojo que azul tierno,
se inclina al gris, al humo, a la ceniza.

Nombre y fecha tú grabas en un mármol,
los roza displicente con el hombro,
ni un montoncillo de amargura deja.

Y sin embargo, ves, me aferro al lunes
y al día siguiente doy el nombre tuyo
y con la punta del cigarro escribo
en plena oscuridad: aquí he vivido.

Eliseo Diego


Cuatro de oros (1990)



Alexander Calder - Brooch

 



Alexander Calder - Brooch, 1950s



Ida Vitale - Invierno

 

INVIERNO     

Como las gotas en el vidrio,
como las gotas de la lluvia
en una tarde somnolienta,
exactamente iguales,
superficiales,
ávidas todas,
breves,
se hieren y se funden,
tan, tan breves
que no podrían dar cabida al miedo,
que el espanto no debiera hacer huella
en nosotros.

Después, ya muertos, rodaremos,
redondos y olvidados


Ida Vitale


Jardín de sílice (1980), en Poesía reunida. Tusquets, 2ª ed. 2018; 1ª ed. 2017



Una fotografía de Efraim Habermann




Efraim Habermann - Woman in the Corner, 1985



Agustín de Foxá - Diciembre

 

DICIEMBRE 

Diciembre ha convocado sus hogueras
y el fuego es vegetal; son matorrales
de algún astro terrible; primaveras
de misteriosos seres; rosas de humo.
Diciembre es como un parque
(cerradura oxidada de su verja)
con sus verdes estanques
que hace ya un siglo no reflejan nada.
Es una estatua en triste plazoleta
a la hora del crepúsculo
envuelta por el humo de unas hojas.
Es ese ciervo bajo la luna roja
incendiado de vaho
y en su cielo un papel de calendario.
Diciembre es un tapiz carbonizado
con escenas de caza y fruta antigua.
Una ceniza, blanca, de viñedos.
Ese pastor de barro, en musgo y corcho
por alamedas de candelas rojas.
La uva envuelta en un bronce de campanas
para la boca, fresca, de fin de Año.
Y si en diciembre hubiera mariposas,
¡qué viriles!, ¡de hierro! Los panales,
sellados. -En su pozo el hormiguero
archivando las alas. Mes sombrío
igual que un monte.- ¡Oh perla de diciembre
que insulta al pobre! ¡Oh nieve de los reyes!
Tan suntuosa y cruel como el armiño.
¡Oh mes feudal para el castillo!
Burlón con la cabaña y el harapo.
Por templar tu rigor hubo un pesebre
y un niño luminoso sobre pajas
calentado por morros de animales
y entre ángeles de luz ultravioleta.

Agustín de Foxa




Miguel D’Ors - Amandiño

 

AMANDIÑO   

Amando, Amandiño, que eras de Corredoira,
cómo vuelve esta noche, con qué mágica luz,
aquel baño silvestre, y nuestras cabriolas
desnudas por el prado salpicado de bostas,
y aquella canción tuya, amigo agreste, bucanero de siete
años
-«Ay, ay, ay, bendito es el borracho»-,
bajando por las hondas carballeiras
desmedida, insistente y en pelotas.
De aquel verano todo se ha perdido
menos aquella hora
maravillosamente sediciosa.
Después
tú te quedaste por tu mundo, libre de calendarios;
yo me adentré en el olor intacto de los nuevos libros.
De ellos salía el camino que -cursos, gentes ciudades-
me ha traído hasta esto.
Y ahora que contemplo mi vida
y me vienen ganas de darle una limosna,
le pregunto a los años
qué habrá sido de ti, Amandiño, amigo de un verano;
qué habrá sido de mí.

Miguel D’Ors   



Una fotografía de Leo Eloy

 


Leo Eloy - Ilana e eu sob a luz do projetor. Lapa, 2012.




Alexandre O’Neill - El amor es el amor

 

EL AMOR ES EL AMOR

El amor es el amor — ¡¿y qué?!
¿Vamos a quedarnos los dos
imaginando, imaginando?...

Mi pecho contra tu pecho,
cortando el mar, cortando el aire.
¡En una cama
hay todo el espacio para amar!

En nuestra carne estamos
sin destino, sin miedo, sin pudor
e intercambiamos — ¿somos uno? ¿somos dos? —
espíritu y calor!

El amor es el amor — ¿y qué?

Alexandre O'Neill



O AMOR É O AMOR

O amor é o amor — e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?...

O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor
e trocamos — somos um? somos dois? —
espírito e calor!

O amor é o amor — e depois?


Alexandre O'Neill 


Abandono Vigiado (1960)



(Traducción de PLC)


Una fotografía de Wayne Mackeson

 



Wayne Mackeson - ~ The First Cut is the Deepest ~  (... Elise),  2021



Ramón Andrés y Jordi Doce, a la ventana

 

Asomarse a una ventana nos limpia.

Ramón Andrés

                            


La felicidad del hombre acodado en una ventana.

Jordi Doce



Jorge de Sena - «Fidelidade»

 

FIDELIDADE

Diz-me devagar coisa nenhuma, assim
como só a presença com que me perdoas
esta fidelidade ao meu destino.
Quanto assim não digas é por mim
que o dizes. E os destinos vivem-se
como outra vida. Ou como solidão.
E quem lá entra? E quem lá pode estar
mais que o momento de estar só consigo?
Diz-me assim devagar coisa nenhuma.
o que à morte se diria, se ela ouvisse,
ou se diria aos mortos, se voltassem.


26/8/1956


Jorge de Sena


Fidelidade (1958)


Dos versiones de un poema de Kao Che/Gao Shi

 

Hace frio en la posada. Solo, estoy desvelado, ante mi lámpara.
Mis pensamientos punzan el corazón del caminante.
Esta noche, yo pienso en mi tierra, a mil leguas de aquí.
Y mañana mi cabello gris parecerá tener un año más.

Kao Che



ESCRITO LA VÍSPERA

Fría lámpara del albergue. Estoy solo, sin dormir.

¿Por qué tan triste la emoción del viajero?

Añoranza del pueblo natal, esta noche a mil leguas.

La escarcha de mis sienes cumplirá mañana otro año.

Gao Shi



Primera versión: Segunda antología de la poesía china (Marcela de Juan) Revista de Occidente, 1962

Segunda versión: La pagoda blanca. Cien poemas de la dinastía Tang. Selección, introducción, traducción y notas de Guillermo Dañino. Ediciones Hiperión, 2ª ed. 2009



Tonino Guerra - Canto decimoprimero

 

CANTO DECIMOPRIMERO

Hace dos días, era el primer domingo de noviembre,
Había una niebla que se podía cortar con el cuchillo.
Los árboles estaban blancos de escarcha y las calles y los campos
Parecían cubiertos de sábanas. Pero luego salió el sol
Y secó el universo y solamente las sombras
Permanecieron mojadas.

Pinela el campesino estaba atando las parras
Con espartos que llevaba sujetos a la oreja.
Mientras él trabajaba yo le hablaba de la ciudad,
De mi vida que ha durado un parpadeo
Y del miedo que me da la muerte.

Entonces, de repente, cesaron los ruidos que hacía con las manos
Y oímos un gorrioncillo que cantaba a lo lejos.
Y me dijo: miedo ¿por qué? La muerte no es aburrida,
Viene solo una vez

Tonino Guerra



La miel (Tonino Guerra). Pepitas de calabaza, 2018. Traducción y prólogo de Juan Vicente Piqueras [edición bilingüe romañolo-castellano]


Elena Kiseleva - Retrato de una dama

 


Elena Kiseleva (1878–1974) - Retrato de una dama (Retrato de Lyubov Brodskaya), 1916



Una fotografía de Nazif Topçuoğlu para Nazim Hikmet

 



Nazif Topçuoğlu (Estambul, 1954) - Poetry Reading, 2001


ME ACOSTUMBRO A ENVEJECER

Me acostumbro a envejecer, es el oficio más difícil del mundo,
llamar a las puertas por última vez,
la separación para siempre.
Horas que corréis, corréis, corréis...
Trato de comprender a costa de dejar de creer.
Te iba a decir una palabra pero no pude.
En mi mundo el sabor de un pitillo por la mañana con el estómago vacío.
La muerte antes de llegar me envió su soledad.
Envidio a los que no se dan cuenta de que envejecen,
tan ocupados están con sus cosas.

                                   12 de enero de 1963

Nazim Hikmet



Nazım Hikmet Ran (Salónica, Imperio otomano, 15 de enero de 1902 - Moscú, 3 de junio de 1963) fue un poeta y dramaturgo turco, considerado en Occidente el poeta más importante en lengua turca del siglo xx. Sus obras han sido traducidas a numerosos idiomas. Largamente exiliado de su país de origen a causa de su militancia comunista, murió en 1963 como ciudadano polaco.



Una fotografía de Paul Bence

 


Paul Bence - Street Portraits - Belsize Park, 2007



Federico García Lorca - Romance de la pena negra

 

ROMANCE DE LA PENA NEGRA

Las piquetas de los gallos
cavan buscando la aurora,
cuando por el monte oscuro
baja Soledad Montoya.
Cobre amarillo, su carne,
huele a caballo y a sombra.
Yunques ahumados sus pechos,
gimen canciones redondas.
Soledad: ¿por quién preguntas
sin compaña y a estas horas?
Pregunte por quien pregunte,
dime: ¿a ti qué se te importa?
Vengo a buscar lo que busco,
mi alegría y mi persona.
Soledad de mis pesares,
caballo que se desboca,
al fin encuentra la mar
y se lo tragan las olas.
No me recuerdes el mar,
que la pena negra, brota
en las tierras de aceituna
bajo el rumor de las hojas.
¡Soledad, qué pena tienes!
¡Qué pena tan lastimosa!
Lloras zumo de limón
agrio de espera y de boca.
¡Qué pena tan grande! Corro
mi casa como una loca,
mis dos trenzas por el suelo,
de la cocina a la alcoba.
¡Qué pena! Me estoy poniendo
de azabache carne y ropa.
¡Ay mis camisas de hilo!
¡Ay mis muslos de amapola!
Soledad: lava tu cuerpo
con agua de las alondras,
y deja tu corazón
en paz, Soledad Montoya.

*

Por abajo canta el río:
volante de cielo y hojas.
Con flores de calabaza,
la nueva luz se corona.
¡Oh pena de los gitanos!
Pena limpia y siempre sola.
¡Oh pena de cauce oculto
y madrugada remota!

Federico García Lorca


Romancero gitano (1928)



Antonio Machado - «Pero hablemos del Caos, señores…»

 

Pero hablemos del Caos, señores, que es el tema de la lección de hoy. Mi maestro —habla siempre Mairena a sus alumnos— escribió un poema filosófico a la manera de los viejos Peri Phiseos helénicos, que él llamó Cosmos, y cuyo primer canto, titulado El Caos, era la parte más inteligible de toda la obra. Allí venía a decir, en substancia, que Dios no podía ser el creador del mundo, puesto que el mundo es un aspecto de la misma divinidad; que la verdadera creación divina fue la Nada, como ya había enseñado en otra ocasión. Pero que, no obstante, para aquellos que necesitan una exposición mitológica de las cosas divinas, él había imaginado el Génesis a su manera: «Dios no se tomó el trabajo de hacer nada, porque nada tenía que hacer antes de su creación definitiva. Lo que pasó, sencillamente, fue que Dios vio el Caos, lo encontró bien y dijo: «Te llamaremos Mundo». Esto fue todo.

Antonio Machado


Juan de Mairena (sentencias, donaires, apuntes y recuerdos de un profesor apócrifo), 1936. Edición, introducción y notas de José María Valverde, Castalia, 1971. Fragmento del capítulo LXVI



Clarice Lispector - «O estado de graça»

 

O ESTADO DE GRAÇA

Quem já conheceu o estado de graça reconhecerá o que vou dizer. Não me refiro à inspiração, que é uma graça especial que tantas vezes acontece aos que lidam com arte.
   O estado de graça de que falo é usado para nada. É como se viesse apenas para que se soubesse que realmente se existe. Neste estado, além da tranqüila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez que só chamo de leve porque na graça tudo é tão, tão leve. É uma lucidez de quem não adivinha mais: sem esforço, sabe. Apenas isto: sabe. Não perguntem o quê, porque só posso responder do mesmo modo infantil: sem esforço, sabe-se.
   E há uma bem-aventurança física que a nada se compara. O corpo se transforma num dom. E se sente que é um dom porque se está experimentando, numa fonte direta, a dádiva indubitável de existir materialmente.
   No estado de graça vê-se às vezes a profunda beleza, antes inatingível, de outra pessoa. Tudo, aliás, ganha uma espécie de nimbo que não é imaginário: vem do esplendor da irradiação quase matemática das coisas e das pessoas. Passa-se a sentir que tudo o que existe (pessoa ou coisa) respira e exala uma espécie de finíssimo resplendor de energia. A verdade do mundo é impalpável.
   Não é nem de longe o que mal imagino deva ser o estado de graça dos santos. Este estado jamais conheci e nem sequer consigo adivinhá-lo. É apenas o estado de graça de uma pessoa comum que de súbito se torna totalmente real porque é comum e humana e reconhecível.
   As descobertas nesse estado são indizíveis e incomunicáveis. É por isso que, em estado de graça, mantenho-me sentada, quieta, silenciosa. É como uma anunciação. Não sendo porém precedida pelos anjos que, suponho, antecedem o estado de graça dos santos, é como se o anjo da vida viesse me anunciar o mundo.
   Depois, lentamente, se sai. Não como se estivesse estado em transe (não há nenhum transe), sai-se devagar, com um suspiro de quem teve o mundo como este é. Também já é um suspiro de saudade. Pois tendo experimentado ganhar um corpo e uma alma e a terra, quer-se mais e mais. Inútil querer: só vem quando quer e espontaneamente.
   Não sei por quê, mas acho que os animais entram com mais freqüência na graça de existir do que os humanos. Só que eles não sabem, e os humanos percebem. Os humanos têm obstáculos que não dificultam a vida dos animais, como raciocínio, lógica, compreensão. Enquanto que os animais têm a esplendidez daquilo que é direto e se dirige direto.
   Deus sabe o que faz: acho que está certo o estado de graça não nos ser dado freqüentemente. Se fosse, talvez passássemos definitivamente para o outro lado da vida, que também é real mas ninguém nos entenderia jamais. Perderíamos a linguagem em comum.
   Também é bom que não venha tantas vezes quanto se queria. Porque eu poderia me habituar à felicidade - esqueci de dizer que e estado de graça se é muito feliz. Habituar-se à felicidade seria um perigo. Ficaríamos mais egoístas, porque as pessoas felizes o são, menos sensíveis à dor humana, não sentiríamos a necessidade de procurar ajudar os que precisam -tudo por termos na graça a compensação e o resumo da vida.
   Não, mesmo se dependesse de mim, eu não quereria ter com muita freqüência o estado de graça. Seria como cair num vício, iria me atrair como um vício, eu me tornaria contemplativa como os fumadores de ópio. E se aparecesse mais a miúdo, tenho certeza de que eu abusaria: passaria a querer viver permanentemente em graça. E isto representaria uma fuga imperdoável ao destino simplesmente humano, que é feito de luta e sofrimento e perplexidades e alegria menores.
   Também é bom que o estado de graça demore pouco. Se durasse muito, bem sei, eu que conheço minhas ambições quase infantis, eu terminaria tentando entrar nos mistérios da natureza. No que eu tentasse, aliás, tenho a certeza de que a graça desapareceria. Pois ela é dádiva e, se nada exige, desvaneceria se passássemos a exigir dela uma resposta. É preciso não esquecer que o estado de graça é apenas uma pequena abertura para uma terra que é uma espécie de calmo paraíso, mas não é a entrada nele, nem dá o direito de se comer frutos de seus pomares.
   Sai-se do estado de graça com o rosto liso, os olhos abertos e pensativos e, embora não se tenha sorrido, é como se o corpo todo viesse de um sorriso suave. E sai-se melhor criatura do que se entrou. Experimentou-se alguma coisa que parece redimir a condição humana, embora ao mesmo tempo fiquem acentuados os estreitos limites dessa condição. É exatamente porque depois da graça a condição humana se revela na sua pobreza implorante, aprende-se a amar mais, a perdoar mais, a esperar mais. Passa-se a ter uma espécie de confiança no sofrimento e em seus caminhos tantas vezes intoleráveis.
   Há dias que são tão áridos e desérticos que eu daria anos de minha vida em troca de uns minutos de graça.


Clarice Lispector






Clarice Lispector - «A quinta história»

 

A QUINTA HISTÓRIA

Esta história poderia chamar-se “As Estátuas”. Outro nome possível é “O Assassinato”. E também “Como Matar Baratas”. Farei então pelo menos três histórias, verdadeiras, porque nenhuma delas mente a outra. Embora uma única, seriam mil e uma, se mil e uma noites me dessem.
   A primeira, “Como Matar Baratas”, começa assim: queixei-me de baratas. Uma senhora ouviu-me a queixa. Deu-me a receita de como matá-las. Que misturasse em partes iguais açúcar, farinha e gesso. A farinha e o açúcar as atrairiam, o gesso esturricaria o de-dentro delas. Assim fiz. Morreram.
   A outra história é a primeira mesmo e chama-se “As Estátuas”. Começa dizendo que eu me queixara de baratas. Uma senhora ouviu-me. Segue-se a receita. E então entra o assassinato. A verdade é que só em abstrato me havia queixado de baratas, que nem minhas eram: pertenciam ao andar térreo e escalavam os canos do edifício até o nosso lar. Só na hora de preparar a mistura é que elas se tornaram minhas também. Em nosso nome, então, comecei a medir e pesar ingredientes numa concentração um pouco mais intensa. Um vago rancor me tomara, um senso de ultraje. De dia as baratas eram invisíveis e ninguém acreditaria no mal secreto que roía casa tão tranquila. Mas se elas, como os males secretos, dormiam de dia, ali estava eu a preparar-lhes o veneno da noite. Meticulosa, ardente, eu aviava o elixir da longa morte. Um medo excitado e meu próprio mal secreto me guiavam. Agora eu só queria gelidamente uma coisa: matar cada barata que existe. Baratas sobem pelos canos enquanto a gente, cansada, sonha. E eis que a receita estava pronta, tão branca. Como para baratas espertas como eu, espalhei habilmente o pó até que este mais parecia formar parte da natureza. De minha cama, no silêncio do apartamento, eu as imaginava subindo uma a uma até a área de serviço onde o escuro dormia, só uma toalha alerta no varal. Acordei horas depois em sobressalto de atraso. Já era de madrugada. Atravessei a cozinha. No chão da área lá estavam elas, duras, grandes. Durante a noite eu matara. Em nosso nome amanhecia. No morro um galo cantou.
   A terceira história que ora se inicia é a das “Estátuas”. Começa dizendo que eu me queixara de baratas. Depois vem a mesma senhora. Vai indo até o ponto em que, de madrugada, acordo e ainda sonolenta atra vesso a cozinha. Mais sonolenta que eu está a área na sua perspectiva de ladrilhos. E na escuridão da aurora, um arroxeado que distancia tudo, distingo a meus pés sombras e brancuras: dezenas de estátuas se espalham rígidas. As baratas que haviam endurecido de dentro para fora. Algumas de barriga para cima. Outras no meio de um gesto que não se completaria jamais. Na boca de umas um pouco da comida branca. Sou a primeira testemunha do alvorecer em Pompéia. Sei como foi esta última noite, sei da orgia no escuro. Em algumas o gesso terá endurecido tão lentamente como num processo vital, e elas, com movimentos cada vez mais penosos, terão sofregamente intensificado as alegrias da noite, tentando fugir de dentro de si mesmas. Até que de pedra se tornam, em espanto de inocência, e com tal, tal olhar de censura magoada. Outras — subitamente assaltadas pelo próprio âmago, sem nem sequer ter tido a intuição de um molde interno que se petrificava! — essas de súbito se cristalizam, assim como a palavra é cortada da boca: eu te... Elas que, usando o nome de amor em vão, na noite de verão cantavam. Enquanto aquela ali, a de antena marrom suja de branco, terá adivinhado tarde demais que se mumificara exacta mente por não ter sabido usar as coisas com a graça gratuita do em vão: “é que olhei demais para dentro de...” — de minha fria altura de gente olho a derrocada de um mundo. Amanhece. Uma ou outra antena de barata morta freme seca à brisa. Da história anterior canta o galo.
   A quarta narrativa inaugura nova era no lar. Começa como se sabe: queixei-me de baratas. Vai até o momento em que vejo os mo numentos de gesso. Mortas, sim. Mas olho para os canos, por onde essa mesma noite renovar-se-á uma população lenta e viva em fila indiana. Eu iria então renovar todas as noites o açúcar letal como quem já não dorme sem a avidez de um rito? E todas as madrugadas me conduziria sonâmbula até o pavilhão no vício de ir ao encontro das estátuas que a minha noite suada erguia? Estremeci de mau prazer à visão daquela vida dupla de feiticiera. E estremeci também ao aviso do gesso que seca: o vício de viver que rebentaria meu molde interno. Áspero instante de escolha entre dois caminhos que, pensava eu, se dizem adeus, e certa de que qualquer escolha seria a do sacrifício: eu ou a minha alma. Escolhi. E hoje ostento secretamente no coração uma placa de virtude: “Esta casa foi dedetizada”.
   A quinta história chama-se “Leibnitz e a Transcendência do Amor na Polinésia”. Começa assim: queixei-me de baratas.



Clarice Lispector





Clarice Lispector- «Por não estarem distraídos»

 

POR NÃO ESTAREM DISTRAÍDOS

  Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.
   Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
   Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto.
   No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.
   Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.
   Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.


Clarice Lispector



(La escritora brasileña Clarice Lispector nació el 10 de diciembre de 1920 en Chechelnik, Ucrania, y falleció en Río de Janeiro el 9 de diciembre de 1997. Unas fotocopias con este breve texto, y los de A quinta história y O estado de graça, me fueron dados a conocer en Salamanca por un profesor brasileño, y constituyeron un descubrimiento maravilloso, todo un deslumbramiento. Después llegaron sus libros para confirmarlo.)





Franz von Stuck - Retrato de su hija María vestida de griega


 

Franz von Stuck (1863-1928) - Tochter Mary als Griechin, 1910



José Jiménez Lozano - Homero

 

HOMERO

Si ahora llegase Homero
a tu jardín ¿qué harías?
¿Dónde guardas los dátiles, la miel,
la leche o un trozo de puerco?
¿Crees que hablaría contigo de las Pléyades
y podrías darle a leer tus poemas?
   ¡Oh, padre Homero, siéntate y escucha!
   Dime si Ulyses, si Penélope, si la luna roja
de setiembre, si la escarcha o el viento
cierzo, si las vides o la marina espuma,
si la rima o la luna, si la muerte
están bien situadas en mis versos,
sólo esto.

José Jiménez Lozano

(1930 - 2020)

Tantas devastaciones (1992)


Web oficial de José Jiménez Lozano

Una fotografía de Antanas Sutkus

 



Obra de 1959 de Antanas Sutkus, fotógrafo lituano nacido en 1939.



Rafael Sánchez Ferlosio - (Impresión repentina)

 

(Impresión repentina) Cómo retrocede el tiempo: todavía ayer todos eran más viejos que yo y hoy ya son todos más jóvenes que yo.

Rafael Sánchez Ferlosio   


La hija de la guerra y la madre de la patria, Destino, 2002





Akiko Yosano - «aquí estoy, / con diecinueve años…»

 

aquí estoy,
con diecinueve años,
y ya blanquean las violetas
y se ha agotado el agua…
todo parece efímero 

Akiko Yosano

(1878 - 1942)



Akiko Yosano Poeta de la pasión. Antología poética. Traducción, introducción y notas de José María Bermejo y Teresa Herrero. poesía Hiperión, 2007




Una fotografía de Deyonette

 


Deyonette - home encants (finally unpacked), 2009



José Moreno Villa - A la madrugada

 

A LA MADRUGADA

Cien trenes, cien barcos
y un millón de locos bailando.
Bajo las nubes y la luna
motores ciegos y voluntades oscuras.
Los peces duermen.
No sé quien es el búho de la mar.
Los pájaros duermen.
Los apaches del aire vuelan sobre el rabadán.
La oveja blanca y el pico negro
dibujan la violencia en el silencio.
Con el motor obtuso del barco
rima un corazón desvelado.
Con los émbolos de los trenes en marcha
funcionan dormidas, dilatadas las esperanzas.

José Moreno Villa


Jacinta la pelirroja (1929)



Una fotografía de Erik van Straten

 



Erik van Straten - 437 Petra Spigt 1972-81A _ 2019



Unos versos de Ruy Belo

 

Quando as raparigas punham todo o peso da sua esmagadora juventude
no pé e o pé no pó das antigas estradas a caminho das fontes
onde a água corria pelos vagarosos dias desse tempo


Ruy Belo, A Margem da Alegria (1974)




Bartolomé Leonardo de Argensola - «Su cabello en holanda generosa…»

 

Su  cabello en holanda generosa
Fili enjugó, imitando al real decoro
con que orna su tocado, persa o moro,
bárbara infanta o preferida esposa.

Notando mi atención la inculta hermosa,
libró del lino el húmedo tesoro,
y suelto en crespas ondas, cubrió el oro
la cerviz tersa que extendió la rosa.

Y el pecho en que de pura leche iguales
forman sus dos relieves paraíso,
donde benigna honestidad se anida,

yo no sé si premiar o matar quiso;
que ambos objetos dan veneno y vida,
avaros de su gloria y liberales.

Bartolomé Leonardo de Argensola

(1562 - 1631)



Una fotografía de Frédéric Froument

 


Frédéric Froument - Y in the Kitchen (Avenue Claude Vellefaux, Paris) 2005.




Vicente Aleixandre - Unidad en ella

 

UNIDAD EN ELLA

Cuerpo feliz que fluye entre mis manos,
rostro amado donde contemplo el mundo,
donde graciosos pájaros se copian fugitivos,
volando a la región donde nada se olvida.

Tu forma externa, diamante o rubí duro,
brillo de un sol que entre mis manos deslumbra,
cráter que me convoca con su música íntima, con esa
indescifrable llamada de tus dientes.

Muero porque me arrojo, porque quiero morir,
porque quiero vivir en el fuego, porque este aire de fuera
no es mío, sino el caliente aliento
que si me acerco quema y dora mis labios desde un fondo.

Deja, deja que mire, teñido del amor,
enrojecido el rostro por tu purpúrea vida,
deja que mire el hondo clamor de tus entrañas
donde muero y renuncio a vivir para siempre.

Quiero amor o la muerte, quiero morir del todo,
quiero ser tú, tu sangre, esa lava rugiente
que regando encerrada bellos miembros extremos
siente así los hermosos límites de la vida.

Este beso en tus labios como una lenta espina,
como un mar que voló hecho un espejo,
como el brillo de un ala,
es todavía unas manos, un repasar de tu crujiente pelo,
un crepitar de la luz vengadora,
luz o espada mortal que sobre mi cuello amenaza,
pero que nunca podrá destruir la unidad de este mundo.

Vicente Aleixandre


La destrucción o el amor (1934)



Unas fotografías de Lisa Larsen (1952)

 









Lisa Larsen (1922-1959), born in Pforsheim in Germany, was a pioneering American woman photojournalist.  





Juan García Hortelano - La vejez

 

LA VEJEZ

1

Que nunca vuelva a estar donde no estuve
y el sueño me condujo.

Que la noche me dé su pasaporte
al país que he perdido.

Que me cuelgue jirones de mi carne
entre tanta quimera.

Que sepa que he vivido mientras viva,
aunque sea mentira.


2

Me olvidarán deprisa y no me importa
cuando puede importarme todavía,
cuando nada le importe a mi cadáver,
me llorará quien quiera que me ría.

Juan García Hortelano


La incomprensión del comercio. Edición de Antonio Martínez Sarrión. Visor, 1995



Hugo Scheiber - Mujer en el bar

 


Hugo Scheiber (Budapest, 1873-1950) - Mujer en el bar, años treinta (Private Collection) Gouache & watercolor; 54 x 50 cm.



(Milton Sonn, Flickr)


«La grande bellezza»

 

"Perché non ha mai più scritto un libro?" "Cercavo la grande bellezza, ma... non l'ho trovata."


Finisce sempre così... con la morte. Prima però c'è stata la vita, nascosta sotto il bla bla bla bla bla. E' tutto sedimentato sotto il chiacchiericcio e il rumore. Il silenzio e il sentimento. L'emozione e la paura. Gli sparuti, incostanti sprazzi di bellezza. E poi lo squallore disgraziato e l'uomo miserabile. Tutto sepolto dalla coperta dell'imbarazzo dello stare al mondo. Bla bla bla bla. Altrove c'è l'altrove. Io non mi occupo dell'altrove. Dunque... che questo romanzo abbia inizio. In fondo, è solo un trucco. Sì, è solo un trucco.





Amedeo Modigliani - La femme fatale, 1917

 




Julio Llamazares - Memoria de la nieve

 

1

Mi memoria es la memoria de la nieve. Mi corazón está blanco como un campo de urces.

En labios amarillos la negación florece. Pero existe un nogal donde habita el invierno.

Un lejano nogal, doblado sobre el agua, a donde acuden a morir los guerreros más viejos.

En un mismo exterior se deshacen los días y la desolación corroe los signos del suicidio:

globos entre las ramas del silencio y un animal sin nombre que se espesa en mi rostro.


Julio Llamazares


Memoria de la nieve, 1982